Este ano decidi começar a fazer voluntariado no bairro Padre Cruz. Este bairro, é um dos maiores bairros sociais do país e situa-se mesmo por de trás do Centro Comercial Colombo. Durante 3 horas sábado sim sábado não, lá vou eu dar explicações de língua portuguesa, história, matemática e estudo do meio a crianças entre os 6 e os 12 anos.
Ontem, como havia uma criança que fazia anos e tinha um jogo de futebol, decidimos ir com o resto das crianças ver o tal jogo, seguido de bolo e cantar de parabéns. Quando chegámos à parte do bolo, a primeira coisa que me saltou à vista foi o facto de este ter desaparecido em menos de 2 minutos. Facilmente deu para depreender que metade daquelas crianças não devia ter tomado o “piqueno” almoço.
Após esta animada festa, lá veio a parte mais aborrecida, fazer os trabalhos de casa e fichas. A maioria destas crianças andam na primária, os pais são analfabetos e trabalham o dia todo, pelo que não têm qualquer hipótese de ajudar os filhos na escola (ainda que queiram que eles estudem). O que estes pais não sabem é que andam a ser enganados quando pensam que os filhos estão a aprender como deveriam ter direito na escola.
Descrevo aqui dois dos exemplos mais chocantes que já me passaram pelas mãos: uma criança na 3ª classe que não sabia contar até mais do que 8 e outra criança no 4º ano (já não se diz classe..) que não sabia distinguir a diferença entre escrever “é” e “e” e portanto era sempre “e”.. e depois, levou 5 minutos a aprender a diferença entre um e o outro. Bastou tão pouco....
Sim, estas crianças vão à escola todos os dias!
O que não consigo compreender é, como é que um professor(a) de instrução primária consegue dormir descansado depois de fazer tão mau trabalho e de não perceber que está a comprometer o futuro daquelas crianças. Obviamente quando chegarem ao 5º ano e mudarem de escola, vão andar a apanhar papeis e acabam por desistir da escola. E, os nossos governantes vão continuar a preferir sonhar com o TGV e com um aeroporto (é bem mais fácil) a terem de se preocupar com o futuro de um dos maiores bairros sociais de Lisboa.
Quem me conhece sabe que não concordo com as políticas do suposto “eNG” Sócrates mas, nesta situação a culpa não é só dos políticos. A culpa é de toda uma sociedade que só consegue olhar para pouco mais do que o seu umbigo e que não percebe que basta tão pouco para mudar a vida daquelas e de muitas outras crianças....